Por Francisco de Assis Sousa
O dia amanheceu e pela fresta da janela o sol penetrou com a sua luminosidade imponente. Lá fora, o céu azul acompanhado de algumas nuvens esparsas, distribuídas sem o mínimo sinal de chuva, deixa o sertanejo desanimado. Parece com o clima de outubro. Será que Deus se esqueceu de nós?
Imagem: Rosa Melo
Ao longo das plantações, há legumes em vários estágios de desenvolvimento, ou, simplesmente, sem desenvolvimento. Alguns romperam a barreira da terra, mas a lagarta chegou à frente e saciou a sua fome. Outros nem nasceram, os passarinhos arrancaram quando a raiz tentava fixar-se no solo. O mato cresceu sem cerimônia e sugou o pouco alimento que restava para nutrir as sementes ali depositadas. Assim é o clima no semiárido em pleno mês de março.
Em se falando de passarinhos que atacam as plantações, principalmente as de milho e de feijão, lá pelos longíguos anos 80, este súdito era despertado às 5h da manhã e convidado, de forma nada amistosa, pelo pai, a se dirigir à roça a fim de, com gritos e batuques usando latas de flandres, espantar para longe as casacas, os cabeças-vermelhas, os bem-te-vis, as rolinhas. No final do dia, o velho supervisionava o terreno para avaliar se a atenção dada ao serviço teria cumprido o efeito desejado.
Imagem: Rosa MeloO entardecer no sertão.
Quando encontrava alguma cova destruída pelo bico voraz das aves, logo a promessa de uma coça era pronunciada de forma cavernosa. O meu íntimo, em reação à fúria em que às observações eram colocadas, já começava a entristecer-se e passava a sentir a visita da corda no lombo do meu espinhaço. Mas, a minha angústia era maior do que o que realmente acontecia. Se amanhã eu encontrar esse serviço de novo, você não escapa de uma pisa! - Ai que alivio. Amanhã teria o cuidado redobrado, pois, seria um desastre para o meu couro se permitisse outro desatino daqueles.
Que pena que, hoje, não existe mais o pastorador de passarinhos nas plantações. Utilizam agrotóxicos nas sementes. O bicho que se atrever a buscar um caroço de milho ou de feijão: morre. A matança não é maior, por conta do cheiro forte da inseticida utilizada, que logo faz com que os habitantes mais simpáticos da caatinga nem se interessem em se aproximar do local. Os limpadores, homens trabalhadores que se utilizavam da enxada para evacuar o mato que se postava entre as fileiras do plantio, também estão aposentados. Mato se mata é com veneno, sabia não?!
Pois é! De vez em quando, ainda avista-se um espantalho no centro da roça. Uma garrafa transparente cheia de água pendurada numa forquilha para proteger o legume dos eclipses lunares; e um pedaço de tecido vermelho estampado para repelir o mal olhado e a inveja dos vizinhos que tem os olhos maiores do que a barriga. Enquanto a chuva não vem, na mente fervilha as peripécias de um tempo que o vento levou para bem longe da nossa convivência.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciència da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com
Fonte: TV Verdes Campos Sat - Blog do Francisco de Assis Sousa